domingo, 9 de dezembro de 2012

Poder paralelo - VEJA



REVISTA VEJA


Rosemary Noronha, a ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo cujo poder emanava da relação com Lula, era mais influente do que se supunha - e também mais próxima de José Dirceu

ADRIANO CEOLIN E LAURA DINIZ

A personagem mais misteriosa flagrada pela Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, vai ganhando contornos mais nítidos conforme avançam as investigações. Documentos a que VEJA teve acesso revelam que a ex-secretária Rosemary Noronha, a Rose - cujo poder emanava do fato de ter mantido uma relação íntima com o ex-presidente Lula por quase duas décadas -, era bem mais influente do que se supunha e mais próxima do ex-ministro José Dirceu do que fizeram crer as primeiras informações. A força de Rose, que nasceu e cresceu no governo Lula, continuou na administração de Dilma Rousseff, a ponto de ela conseguir a façanha de, numa só empreitada, envolver três dos mais importantes auxiliares da presidente para atender aos interesses da quadrilha a que prestava serviços.

Há quinze dias, Rose foi demitida do cargo de chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, para onde foi levada por Lula. A Polícia Federal descobriu que ela usava suas credenciais para facilitar a ação de um bando que vendia decisões administrativas em órgãos públicos - e a indiciou por corrupção passiva e tráfico de influência. Desde então, Rose deixou seu apartamento na Rua 13 de Maio, centro de São Paulo, para se refugiar na casa de uma de suas filhas, Mirelle, na Mooca, Zona Leste da cidade. Lá, encontra seus advogados e, por duas vezes, recebeu uma cabeleireira. Nas poucas vezes que saiu de casa, escondeu-se por trás de um lenço na cabeça e um par de óculos escuros. A perspectiva de ter de depor diante do Congresso foi afastada por ora. Parlamentares governistas trabalharam para evitar que ela, conhecida por seu temperamento instável, comparecesse diante das mesmas comissões que ouviram o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sobre a operação da PR Caso tivesse ido, Rose teria muito que contar.

VEJA teve acesso a mensagens eletrônicas trocadas entre ela e Paulo Vieira - exonerado do cargo de diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) depois de ter sido apontado pela polícia como o chefe da quadrilha que negociava pareceres - numa operação destinada a garantir a promoção da juíza Vivian Josete Pantaleão Caminha para o cargo de desembargadora do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4 a Região. Cabe à presidente da República escolher os

magistrados que serão promovidos. É comum que os interessados façam um périplo por Brasília para apresentar seus respectivos currículos. Era a segunda vez que a juíza Vivian disputava a vaga. Na primeira tentativa, em 2011, ela não conseguiu a indicação. Na segunda, neste ano, decidiu pedir ajuda. A magistrada soube que "uma certa secretária próxima aos ministros" poderia conseguir o que ela sozinha jamais conseguiria: acesso ao poder. A "certa secretá- ria" era Rosemary Noronha. A pedido de Paulo Vieira, a ex-chefe do escritório presidencial conseguiu agendar encontros da juíza com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Luís Adams, e o secretário executivo da Casa Civil, Beto Vasconcelos, um dos assessores mais próximos da presidente.

O lobby surtiu o efeito desejado, e a promoção foi assinada pela presidente Dilma em 8 de outubro de 2012. Os assessores atenderam aos pedidos de reunião com a juíza que se candidatava a desembargadora. "Caro Paulo, tarefa cumprida", diz Rosemary a Paulo Vieira, o chefe da quadrilha dos pareceres, sobre o agendamento das audiências com Cardozo, Adams e Vasconcelos. A mensagem foi enviada em I o de agosto deste ano. O Ministério da Justiça confirmou que a audiência com José Eduardo Cardozo foi marcada a pedido do escritório da Presidência em São Paulo, ressaltando que esse tipo de conversa entre o ministro e candidatos é praxe no processo de seleção dos desembargadores. Beto Vasconcelos também confirmou que a audiência foi solicitada por Rosemary Noronha e que ele igualmente recebeu outros candidatos à vaga. Já a AGU disse que a então juíza solicitou o encontro, mas que Adams não pôde recebê-la na data agendada. Rosemary Noronha provou que realmente representava um poder paralelo.

VEJA teve acesso a novos detalhes do inquérito da Operação Porto Seguro. Os papéis detalham o funcionamento do esquema de corrupção e mostram o espraiamento da quadrilha por órgãos do governo federal, até chegar a gabinetes do primeiro escalão. Na última sexta- feira, a Polícia Federal entregou à Justiça uma nova leva de documentos. São mais quarenta volumes, com uma descrição detalhada do conteúdo de arquivos de computadores, contratos, recibos e dinheiro apreendidos no escritório da Presidência em São Paulo e nas casas dos suspeitos. É essa munição que mantém Lula e o PT calados. Além da intimidade com o ex-presidente, Rose usava como trunfo para suas ações a proximidade com o mensaleiro José Dirceu. Em conversas interceptadas pela PF com autorização judicial, Rose revela a intimidade que tinha com o chefe da quadrilha. "Eu fui almoçar com o Zé na casa dele (...). Ele acha que tem grandes chances de ser condenado a quatro anos e cumprir um terço da pena", diz Rose. Paulo Vieira, seu interlocutor, procura tranquilizar a amiga, que se dizia "superpreocupada" com a possibilidade de Dirceu ir para a cadeia. "Preso ele não vai, não, Rose (...). Sem chance", afirma o chefe da quadrilha dos pareceres sobre o chefe da quadrilha do mensalão.

Uma semana antes de ser detida pela Polícia Federal, Rose e seu marido, João Vasconcelos, passaram o feriado de 15 de novembro, como mostram as fotos em que a ex-secretária apareceu ao lado do ex-ministro José Dirceu (de bermuda da marca francesa Vilebrequin, à venda por cerca de 600 reais no Brasil) e da namorada dele, Evanise Santos (de óculos Pra- da), numa casa de- frente para o mar na praia em Camaçari, na Bahia. Rose ainda era a chefe do gabinete regional da Presidência. Não é o único episódio a demonstrar a proximidade dos dois. Em maio deste ano, quando o STF ainda se preparava para julgar o mensalão, Rose contou a Paulo Vieira que havia levado Dirceu para fazer compras, para relaxar. "Fiquei feliz. Levei ele ao Ricardo Almeida à tarde para fazer umas roupas que ele tava precisando, e achei ele melhor, porque ultimamente ele andava muito nervoso. Achei um astral melhor." Não foi à toa, portanto, que, no dia em que foi detida pela PF, Rose telefonou para Dirceu para informar o que estava ocorrendo. Ele disse que nada podia fazer. Antes, ela tentara* sem sucesso, falar com o ministro da Justiça, o mesmo que acolhera seu pedido de audiência com a juíza Vivian. Os rolos de Rosemary e Paulo Vieira ilustram à perfeição como certos petistas construíram uma carreira bem-sucedida graças aos laços de intimidade com os amigos do governo.

Os dois se conheceram no berço do PT, em São Bernardo do Campo. Á amizade ganhou mais força após a chegada de Lula à Presidência. A influência de Rose sobre o então presidente levou Paulo a traçar uma estratégia para aproximar-se ainda mais dela. Ao descobrir que ela se considerava uma exímia de- coradora, viu nisso uma oportunidade. Naquele período, ele fazia dinheiro com leilões judiciais de imóveis, que comprava barato, reformava, decorava e revendia com lucro. Convidou-a, então, para ajudá-lo no negócio. Em 2004, Paulo, filiado ao partido, ganhou uma senhora boquinha na administração: a nomeação para presidente do Conselho Fiscal da Companhia Docas do Estado de São Paulo, a Codesp. Ele foi indicado pelo PT de São Paulo. Efetivado no cargo, Paulo Vieira atendeu a um pedido feito por telefone pelo deputado estadual Rui Falcão, atual presidente do partido, para que recebesse o empresário e ex-senador Gilberto Miranda (PMDB-AM). Não era propriamente um pedido, mas uma "missão partidária", conforme expressão usada por Falcão. Ele nega: "Nunca pedi nada disso. Nunca tive qualquer relação com os citados". O resto da história está contada no inquérito. Para a Polícia Federal, Vieira ajudou Miranda a conseguir pareceres favoráveis à ocupação de duas ilhas no litoral paulista. As investigações dão a dimensão exata de como se misturam interesses públicos e privados no Brasil.

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